Por: Thais Cunha
Imagine um dia em que nenhuma mulher saia de casa. Sem esquecer as que se dedicam à casa, imagine um dia em que nenhuma mulher desperte. Imagine o mundo sem mulheres. Se o recorte parece absurdo demais, imagine, então, um país sem mulheres, um estado, uma cidade, a sua vida. O que seria do Capital sem nós mulheres? Porque os homens, esses morreriam de tédio muito antes de serem extintos, com a ausência dos úteros, sobre os quais muitos acreditam legislar.
“O Capitalismo libertou as mulheres”, eu li outro dia. Há de se rever, então, o conceito de liberdade. O Capitalismo tornou menos horrível, um cenário que nunca foi bom. Essa máquina voraz e opressora explora homens e mulheres, mas não se intimida em humilhar o segundo grupo, e o terceiro, e o quarto, ou qualquer outro que fuja do “padrão” homem-cis-heterossexual. Porque gênero é construção social, e está longe dessa construção ser binária, como a mentalidade de tantos.
Arrisco dizer, sem medo de equívoco, que o cenário proposto no início, levaria o mundo ao colapso. Cerca de 50% da mão de obra empregada no país é feminina, mas esse número compreende apenas os registros em Carteira de Trabalho, omite milhares de empregadas domésticas em situação irregular, prostitutas, costureiras, artesãs, e mais uma série de profissões negligenciadas pelo patriarcado.
Negligenciadas, marginalizadas, oprimidas, e socializadas para amar o opressor mais do que a si mesmas, nunca umas às outras. Milhares de mulheres são assassinadas todos os anos, cerca de 4.762 HOMICÍDIOS DE MULHERES foram registrados em 2013, segundo Mapa da Violência, elaborado pela Flacso Brasil. Desses, 50,3% do total foram praticados por um familiar da vítima e no ambiente doméstico, o que representa aproximadamente 7 FEMINICÍDIOS DIÁRIOS, cujo autor é um familiar; e em 33,2% dos casos o parceiro ou ex-parceiro.
Negligenciadas, marginalizadas, oprimidas, MAS NÃO MAIS SILENCIADAS. Em um movimento que vem sido chamado de Primavera Feminista, milhares de mulheres têm tomado as ruas do Brasil em uma onda de protestos que teve início nas redes sociais. Quando uma menina de 12 anos foi exposta e brutalmente assediada nas redes sociais do país, pode-se ouvir enfim o grito abafado dessas mulheres que resistem há séculos a violência covarde e dissimulada do machismo contemporâneo, que sujeita e emudece a luta das mulheres.
A realidade cruel a que mulheres são expostas desde a mais tenra infância foi escancarada através da hashtag #primeiroassédio, uma iniciativa do projeto Think Olga. Replicada mais de 82 mil vezes no Twitter, a hashtag permitiu que essas mulheres se fizessem ouvir, e essa luta foi finalmente posta em discussão no sistema educacional. O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) trouxe à pauta o feminismo, e propôs a reflexão acerca da “persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” como tema da redação da prova deste ano.
Agora é que são elas! Diversos homens cederam espaço em suas colunas em grandes jornais e portais da internet, em uma campanha com esse nome — #Agoraéquesãoelas -, para que mulheres feministas pudessem falar da sua luta. Porque não se trata de começar a ouvir as mulheres, se trata de parar de calá-las. Do outro lado, o Estado tenta silenciá-las mais uma vez, sob o pretexto de protegê-las. Em tramitação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 5069/2015 dificulta o acesso das vítimas de violência sexual ao tratamento médico adequado e propõe o retrocesso no que concerne os direitos sexuais e reprodutivos conquistados.
De autoria do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, o projeto que apresenta inúmeras brechas, pretende alterar a Lei 12.845/2013, que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual, e acrescenta um artigo que pode colocar em risco a comercialização da pílula do dia seguinte. O Estado que deveria garantir direitos e preservar a vida dessas mulheres oprime e sujeita mais uma vez.
E a sororidade é o que pode salvá-las da submissão compulsória que a sociedade civil já endossou há mais de um século. Já não bradam por igualdade apenas, seria essa só mais uma forma de perpetuar a violência que lhes é imposta, essas mulheres lutam por emancipação. Para que homens deixem de decidir sobre seus corpos, suas roupas, seus destinos.
No sábado, 07, de Novembro, as mulheres tomaram (mais fotos do movimento) as ruas de Curitiba, em apoio ao movimento que cresce pelo país. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Joinville e Porto Alegre, são pontos de efervescência desse grito que deve continuar a ecoar pelo país. Essas mulheres pedem a saída de Eduardo Cunha da Presidência da Câmara, o deputado é suspeito de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobrás, e vem polarizando a política brasileira desde que anunciou seu rompimento com o Planalto.
A Primavera é das mulheres, o copo transbordou e o grito entalado na garganta ganha as ruas do 7º país em que mais morrem mulheres violentadas no mundo. “Mas a culpa é toda delas” autoriza o Estado. Sempre elas, as loucas que pleiteiam decidir sobre seus corpos. Que ousadia. Mas que nos chamem de loucas, de histéricas, de vadias, de putas, RESISTIREMOS. As putas cansaram de tirar as tetas e dar de mamar aos seus algozes. Agora imagine um mundo sem putas. Quem vocês culpariam?