A ressaca do ecstasy

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Um dos primeiros projetos de redução de risco que conheci e que não foi muito bem compreendido por grande parte dos políticos na época. Diziam que esse projeto estimulava os jovens a utilizar o ecstasy e LSD.

O texto abaixo é de 2007, mas serve muito bem para os dias de hoje. Vale a pena a leitura.

Por Phydia de Athayde
Fonte: Carta Capital (Seu País) em 27 de Junho de 2007

Estudo inédito analisa os efeitos sobre usuários no intervalo de cinco anos

Música eletrônica. Se você tomar uma dessas pílulas, sentirá a música de uma maneira totalmente nova, o corpo energizado, uma vontade de abraçar todo o mundo e, no dia seguinte, ficará meio deprimido. Esse é o ciclo básico de uma experiência com ecstasy e resume boa parte do que se sabe sobre o uso da droga. Mas o que acontece com os usuários anos depois? Um estudo sem precedentes no mundo tem a resposta e acaba de ser concluído. O psicólogo Murilo Battisti, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo, acompanhou um grupo de usuários em um intervalo de cinco anos e identificou não só padrões de consumo, mas também o que leva alguns a abandoná-la e outros a manter ou substituir a pílula pela cocaína. Com exclusividade para CartaCapital, detalhes e conclusões do estudo.

A pesquisa é um acompanhamento da história natural do uso de ecstasy. Battisti é estudioso do consumo de drogas sintéticas no Brasil e descreve o perfil do usuário. “O principal contexto de uso está ligado à cena da música eletrônica. O usuário é o jovem adulto, de classe média a alta, consumidor de outras drogas (lícitas e ilícitas) e com baixa percepção dos riscos do ecstasy”, explica.

Nesse espectro, Battisti identificou dois grupos. De um lado, a “geração rave”, universitários que consumiam a droga há dois ou três anos, geralmente em raves e clubs, em doses pequenas (de meio a dois comprimidos) e de forma esporádica. Do outro, o “mundinho da noite”, profissionais das festas e casas noturnas movidas a música eletrônica (DJs, promoters, hostess etc.) que consumiam a droga há cinco anos, geralmente em clubs, em doses altas (de dois a seis comprimidos) e com muita freqüência.

No intervalo entre 2001 e 2006, para os universitários a droga ou desapareceu ou seu consumo diminuiu para menos da metade. “Esse grupo passou a assumir papéis adultos na vida e tomar ecstasy perdeu o sentido”, diz Battisti, que classifica este como um padrão transitório de uso da droga. Os oriundos da geração rave apontaram, com o tempo, mais preocupação com a saúde e melhor percepção dos riscos do ecstasy.

No grupo da noite, por sua vez, o ecstasy continuou, com uma tendência à moderação na quantidade e ao retorno à cocaína (que já consumiam). “A vida desse grupo mudou pouco e, para eles, tomar ecstasy é quase uma conseqüência do trabalho”, analisa o pesquisador. Este grupo mencionou, depois de cinco anos, o aumento dos efeitos adversos — como a depressão — e a má qualidade da pílula como desestímulos ao consumo.

Um único usuário aumentou o consumo. De perfil “geração rave” (75% dos pesquisados), o jovem apresentava sinais de uso compulsivo em 2001 que se confirmaram em 2006. Ele é fisicamente dependente de ecstasy, um fato raro no uso da droga.

A pesquisa de Battisti é qualitativa e não deve ser avaliada por números absolutos. O grupo estudado teve 32 usuários na primeira etapa e 21 na segunda, pois alguns perderam contato e outros não quiseram prosseguir. “A amostra é numericamente pequena, mas é possível fazer inferências na população porque os perfis se repetem na sociedade”, explica.

Não há dados quantitativos sobre consumo de ecstasy no Brasil e as estimativas são feitas a partir de apreensões feitas pela Polícia Federal. Entre a primeira e a segunda etapa da pesquisa, elas tiveram um aumento substancial (de 1.909 para 19.094 comprimidos). De janeiro a maio deste ano, a apreensão já passa de alarmantes 171 mil unidades. Embora isso possa ser reflexo de maior eficiência nas operações policiais, é razoável supor que haja um aumento na demanda. Todos os anos o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) divulga o Relatório Mundial das Drogas. As informações relativas ao Brasil vêm dos números da PF. A edição de 2007 sai no dia 26 deste mês e, provavelmente, alertará para o aumento do consumo de ecstasy no País.

Não é difícil encontrar usuários e ex-usuários em grandes núcleos urbanos como São Paulo. A figurinista paulistana Karina, de 30 anos, usou a droga como transição para a vida adulta. Começou a tomar ecstasy aos 23. “Foi fase, coisa de moleca. Eu ganhava grana, saí de casa e tinha um namorado que tomava muito. Eu ia na dele, usava várias drogas e tomava bala (ecstasy) todo fim de semana, de três a cinco por noite, em clubes de música eletrônica”, diz.

No auge do consumo, Karina começou a sentir mais “crises de choro, sensação de morte”. Procurou um psiquiatra, foi diagnosticada com depressão e tratou-se por seis meses. “Resolvi colocar minha vida em ordem. Mudei de profissão, decidi cursar moda, voltei para a casa dos meus pais, terminei aquele relacionamento”, relata. Hoje Karina não quer mais saber da droga: “Não uso nem maconha. Tenho outras motivações, amo meu trabalho, gosto de acordar cedo, ter a cabeça ativa. Não me interessa mais estar fora do ar”. Do antigo namorado, más notícias. Ele tornou-se dependente de cocaína. “Aquele lá se perdeu para sempre”, diz ela.

O psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira coordena o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Unifesp e descreve uma sensação comum a quem toma ecstasy: “No início relatam efeitos fantásticos. Depois aumentam os problemas, e eles sempre esperam reviver aquela primeira sensação”.

Silveira diz que a dependência de ecstasy é rara. A médio e longo prazo, acredita-se que a droga provoca depressão e transtornos psíquicos ansiosos, como síndrome do pânico e fobia social, em usuários com predisposição. “Mesmo sem a droga, a maioria ainda terá de tratar os problemas por ela desencadeados”, alerta. Na parcela sem predisposição aos transtornos, ele acredita que o ecstasy possa ter papel semelhante ao da maconha. “Grande parte abandona o uso depois de alguns anos e segue a vida”, diz, mas ressalta que “há pessoas viciadas em um estado alterado de consciência, usuários compulsivos de qualquer droga”.

A pesquisa de Murilo Battisti trata de usuários contumazes em 2001. Desde então, o consumo da droga ganhou novos contornos. “Esse estudo é relevante por nos dar diretrizes para pensarmos medidas de saúde pública adequadas”, afirma Ana Regina Noto, pesquisadora do Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas (Cebrid) e orientadora do doutorado de Battisti.

Ainda que indique que a maior parte dos usuários abandonou ou reduziu o consumo do ecstasy, as conclusões de Battisti não são amenas. “Muito do impacto negativo passa despercebido e muitas vezes não é associado ao ecstasy”, diz, referindo-se a problemas psiquiátricos. “O ecstasy deixou de ser uma novidade. Passou a ser mais uma droga do arsenal”, conclui.

A inquisição venceu

Fapesp corta verba de projeto de prevenção

Além das conseqüências a médio e longo prazo, tomar ectasy provoca efeitos imediatos e expõe qualquer usuário a riscos da temperatura corporal e desidratação são os principais deles. A intoxicação aguda inclui sintomas como febre acima de 38 graus, tontur
a, náusea, contusão mental, diminuição de reflexos dor de cabeça, taquicardia e palpitação. Também há o bruxismo (pressão na mandíbula), que pode levar á quebra de dentes, entre outros.

Um projeto de redução de danos do ecstasy no Brasil criou polêmica ao distribuir flyers, em casas noturnas e duas universidades, com dicas para usuários minimizarem tais riscos. Programas de redução de danos, como o nome indica, partem do princípio de que algum mal (nesse caso. o decorrente do uso da droga) ocorrerá — e procuram agir daí por diante para evitar que o pior aconteça. Incluem desde o “se beber, não dirija” até o “não compartilhe seringas”: Por considerar possível a opção por drogas ilegais. muitas vezes são acusados de incitar o consumo. Foi o que aconteceu com o Baladaboa (que além dos flyers consiste no site www.baladaboa.org para avaliar a campanha). O projeto é parte do pós- doutorado da psicóloga Stella Pereira de Almeida, da Universidade de São Paulo, pesquisadora do tema desde 1997.

Houve uni ataque maciço ao projeto em jornais e blogs do que se convencionou chamar de “nova direita”, dita inteligente. A repercussão negativa levou a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) a suspender, na segunda-feira 18. a liberação de verbas para o projeto. Uma comissão interna no órgão foi criada para averiguar as “graves denúncias veiculadas pela imprensa” e emitirá um parecer em 30 dias.

A professora Maria Teresa Araújo, orientadora do projeto, e cujo auxílio regular de pesquisa também foi suspenso, busca entender a reação da Fapesp: “A questão das drogas geralmente é tratada com muita ignorância e preconceito. Imagino que a Fapesp suspendeu temporariamente o projeto para se preservar. Mas, sinceramente, não sei o que há por trás de uma campanha violenta como essa”.

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